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EA Sports x Konami: como o FIFA venceu a batalha dos games de futebol contra PES e eFootball

Em dado momento em uma noite de sábado no começo de dezembro, enquanto 25 mil usuários na Twitch assistiam pessoas jogando FIFA 22, só 19 estavam acompanhando streamers transmitindo eFootball 2022.

A lacuna cultural entre o FIFA, da EA Sports, e o eFootball, da Konami - o novo nome do antigo Pro Evolution Soccer -, cresceu ainda mais neste ano, com o design dos jogadores do eFootball 2022 sendo criticado publicamente na mídia e a perca de vários modos clássicos do PES.

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Até mesmo os fãs da Konami estão tendo dificuldade para justificar a escolha por um jogo claramente incompleto. Para esses fãs fiéis que permaneceram jogando eFootball mesmo com a sua queda de popularidade no meio dos anos 2010 e que gostariam de ver a franquia novamente em alta, essa nova decepção vem sendo difícil de aceitar.

"Sinto que eles nos venderam muita esperança, mas recebemos um produto muito desapontante," explicou o YouTuber Bryan Bryezer, em entrevista concedida à GOAL, sobre o lançamento do eFootball 2022 comparado ao seu hype no pré-lançamento. "É quase um tapa na cara, porque como um fã leal do PES, você acaba comprando o jogo todo ano."

"É inacreditável, para ser sincero, que uma empresa deste tamanho lance um game que é quase injogável."

O PES já foi considerado o melhor simulador de futebol em dado momento, principalmente por sua engine imersiva e opções de customização. Mesmo sem os contratos de licenciamento da EA, isso não importantes. Nuances, como um sistema de inteligência artificial adaptativo e que punia erros dos players, existiam nesses jogos - recursos que hoje não existem ou não funcionam bem.

Mas já faz uma década que a Konami derrotou o FIFA em vendas; em 2018, o eFootball vendeu apenas 550 mil cópias contra 12,2 milhões de unidades do game da EA.

Neste ano, a Konami lançou o eFootball de graça em um artifício para tentar recuperar parte de sua base de jogadores que havia trocado o PES pelo FIFA. Um lançamento cheio de bugs e defeitos, porém, ajudaram a piorar ainda mais a imagem do jogo.

“Pedimos desculpas pelos problemas, e queremos garantir a todos que levamos as reclamações a sério e vamos trabalhar para melhorar a situação atual," se desculpou a Konami em uma nota oficial após a reação pública ao lançamento do eFootball 2022.

A Konami desde então prometeu uma atualização significativa para o game, com o retorno de modos clássicos como Master Liga e Rumo ao Estrelato, bem como um lançamento mobile. A empresa espera que esses novos recursos sirvam para corrigir o lançamento fraquíssimo do eFootball 2022.

Mas será que isso pode fazer o jogo se tornar aceitável para os fãs em um curso espaço de tempo, não só recuperando fãs fiéis mas chamando a atenção de outros jogadores?

E mesmo que a atualização melhore muito as coisas, será que não é muito tarde?

eFootball 2022 body glitcheFootball 2022

Para entender o contexto da Konami no futebol, precisamos analisar a história de sua rivalidade com a EA Sports e a importância da transição das gerações de consoles para o mundo dos games na atualidade.

Para começar, a Konami lançou talvez o seu melhor título no PlayStation 2, um dos consoles mais vendidos no mundo e que dominava o mercado global.

Talvez seja a nostalgia, mas muitos te dirão que a desenvolvedora japonesa lançou o melhor simulador de futebol na história dos games em agosto de 2005: o Pro Evolution Soccer 5 - também chamado de Winning Eleven 9.

“Era um jogo muito imersivo," explica Marlon Anthony, um YouTuber que já fez mais de um documentário detalhando a história do PES e do FIFA. "Era algo mágico. Foi algo único."

Anthony escolhe o PES 5 acima de qualquer outro game, tendo voltado até para os anos 90, jogando todos os games de futebol para documentar sua evolução. Até mesmo o comparando a jogos mais recentes, principalmente por sua intensidade competitiva.

“O jogador é recompensado por sua paciência e o oponente é punido por decisões ruins," opina. "Jogos modernos tentam facilitar muito as coisas para você, querem fazer com que o jogador sinta que sempre está ganhando, independentemente do posicionamento do seu time ou de seus jogadores dentro de campo."

“PES 5 era um jogo muito difícil por natureza, que você tinha que trabalhar e estudar para alcançar seus objetivos. Se você forçava um passe ou um chute, entendia porque as coisas davam errado. Hoje, mesmo que isso não faça sentido, se você tentar chutar, nove das dez vezes o chute irá na direção no gol. Você não se sente satisfeito, pois não era exatamente isso que pretendia fazer."

Sabendo que tinha um grande produto, a Konami, cheia de confiança, tinha coragem para assumir riscos. Riscos como colocar um árbitro na capa de um dos jogos ou um modo onde o player poderia substituir jogadores humanos por pinguins e dinossauros.

“Podíamos fazer qualquer coisa naquela época," assumiu o ex-diretor de relações públicas da Konami, Steve Merrett, ao The Guardian, falando sobre o nível de confiança da empresa durante a era PlayStation 2.

E por algum tempo, tudo parecia dar certo.

Winning Eleven 10

Mas após o lançamento do PlayStation 3 e do Xbox 360, a EA Sports rapidamente assumiu o controle da situação.

Durante esse período, o FIFA se tornou muito importante para a EA, com a empresa consolidando seus simuladores esportivos e perdendo algumas disputas. Foi quando a desenvolvedora perdeu os direitos para a MLB, em 2005, e desistiu de criar games de beisebol universitário. A Take-Two Interactive já havia destruído a EA no universo do basquete, com a sua série NBA 2K conseguindo números muito superiores ao NBA Live. E em 2014, o NCAA Football, título de futebol americano universitário muito popular, teve sua produção interrompida por problemas judiciais.

O desespero para conseguir ter sucesso no futebol, então, levou a EA a uma era de inovações e progresso rápido.

O FIFA 09 foi, discutivelmente, o jogo mais importante na história dos simuladores esportivos. Foi nesse título que a EA introduziu o FIFA Ultimate Team - um game fantasy onde você constrói seu time com cards virtuais, representando jogadores usáveis em partidas reais online.

Tal modo de jogo, considerado um dos mais rentáveis dos games, hoje faz parte de muitas outras franquias da EA Sports, bem como o NBA 2K e o MLB The Show, da San Diego Studio.

“Obviamente, essa foi a grande virada. Antes, tudo dependia dos gráficos e da jogabilidade, mas agora, o diferencial é que o FIFA tem o Ultimate Team," analisa o jornalista Jordan Oloman. "O Ultimate Team é a galinha dos ovos de ouro que está fazendo dinheiro. E se você é um adolescente, sabe que o importante é o Ultimate Team, é o que faz a diferença contra seus amigos."

“É o culto do Ultimate Team que faz todos jogadores o FIFA e não o PES."

Na verdade, o gameplay no FIFA 09 nem era tão interessante, com muitos rapidamente descobrindo bugs e que os goleiros podiam ser batidos praticamente de qualquer lugar do campo, incluindo logo no pontapé inicial, com um certo trque. Mas as novidades do Ultimate Team, bem como melhorias no Modo Carreira, aumentaram o interesse do público e mostraram o caminho para a EA durante a década seguinte.

A EA Sports tinha achado um caminho - e nem precisou imitar o seu rival que estava patinando.

FIFA 22 Estadio Santiago Bernabeu Real MadridEA SPORTS

“Depois do FIFA 08, nós nem precisamos mais observar o PES," relatou o ex-desenvolvedor principal do FIFA, Gary Paterson, ao The Guardian. "Nós tínhamos muitas ideias. Falamos muito sobre o sistema de finalizações, uma versão mais sofisticada do que fizemos no PS2. Os desenvolvedores sabiam que o truque não era um passe rápido para chutar, mas 10, 15 passes em sequência para você encontrar espaços."

Assim como a Konami tinha chegado quase a perfeição no PS2, a EA Sports utilizou o impulso do FIFA 09 para criar games que chegavam aos limites do que era possível no PlayStation 3 e Xbox 360.

À partir do 2010 FIFA World Cup South Africa, a EA começou a aplicar uma nova visão de controle de bola livre e passes mais dinâmicos, culminando numa liberdade de movimento única para os jogos de futebol.

O PES rapidamente criou sistemas parecidos, mas a inconsistência de uma versão para a outra fez com que a Konami não conseguisse alcançar seus rivais do outro lado do globo.

“Cada jogo não conseguia evoluir, ser melhor que o antigo. A Konami lançava um jogo muito bom, elogiado pela crítica, nada de espetacular, mas com várias melhorias e que fazia sucesso, influente, com várias inovações," explica Anthony. "E o jogo seguinte era pior em quase tudo, pegava tudo que tinha dado certo em um game e jogava fora."

Para piorar, a Konami não conseguiu fazer a transição certa para a era do YouTube e dos streamings. Influenciadores e streamers davam publicidade grátis ao FIFA enquanto ignoravam o PES.

Vídeos de aberturas de pacotes de Ultimate Team e reações ao vivo ganhavam milhões de visualizações para criadores como KSI, que hoje tem mais de 23 milhões de seguidores no YouTube e uma relevância até mesmo fora da cultura dos games.

Desde então, a EA começou a não só investir nesse mercado mas fazer parcerias com estrelas do YouTube, músicos e jogadores famosos para promover seus jogos.

”A cultura dos influenciadores aumentou a popularidade dos jogos ao máximo, para um nível que no FIFA 22, influenciadores e estrelas do futebol são as principais figuras nas campanhas de marketing, não a jogabilidade ou os gráficos." explica Oloman. "O boom dos influenciadores, do YouTubers, veio basicamente na mesma época. Hoje, alguns dos criadores de conteúdo originais são celebridades, grandes marcas, como KSI, tem álbuns de música... e todos cresceram junto do FIFA Ultimate Team."

Foi o timing perfeito para a EA fazer a transição do PS3 e do Xbox 360, em 2013, para o PS4 e Xbox One, sem que Konami conseguisse incomodar seu rival.

A diferença de vendas em 2009 era apenas 1,8 milhões de cópias. Em 2018, essa diferença era de mais de 12 milhões.

FIFA 22 x eFootball: Qual o melhor jogo?

Derrotados por quase uma década e sem conseguir capitalizar na transição da geração anterior de consoles, o eFootball 2022 para o PlayStation 5 e Xbos Series X/S marcou uma chance para a Konami responder à altura na nova transição para a próxima geração de consoles.

Ainda mais considerando a queda nos números do FIFA e a acusação que os últimos jogos da EA estariam focados apenas no Ultimate Team, deixando outros modos de lado.

Aspectos da estrutura de aberturas de pacotes, conta Oloman, são predatórios, com usuários sendo atraídos a comprar e recomprar loot boxes com pouquíssimas chances de adquirir cartas relevantes (com dinheiro real).

Um executivo da EA discordou dessa noção, porém, para a GOAL: "Gastar dinheiro é opcional no nosso jogo. Jogadores podem abrir packs do Ultimate Team ganhando recompensas dentro do game, e é assim que a maioria o faz. Três quartos dos jogadores de FIFA 21 não gastaram nada em microtransações, e nove de dez packs do FUT abertos no FIFA 21 foram recompensas de prêmios in-game, não comprados com dinheiro real. Nós gastamos muito tempo e recursos para garantir que o sucesso no jogo seja apenas determinado pela jogabilidade."

“Nós acreditamos com convicção que o Ultimate Team e os packs FUT, parte do nosso game durante mais de uma década, são parte integral do FIFA que os jogadores amam. Nós vamos continuar ouvindo nossa comunidade e investindo no game para fazê-lo melhor para todos."

Não só a Konami não conseguiu criar uma alternativa viável para o modelo da EA neste ano, aproveitando a controvérsia relacionada ao FIFA 22, mas a empresa regrediu ainda mais em um período de importância vital.

6- Messi no PSG - FIFA 21Murilo Molina

Enquanto a Konami começa o ciclo da próxima geração com o pe-esquerdo, a EA Sports pretende capitalizar no cenário de maneira veloz.

“Quando nós interagimos com nossos milhões fãs ao redor do globo, eles falam que querem mais envolvimento da marca com aspectos culturais no mundo inteiro," anunciou o CEO Andrew Wilson em uma reunião recente. “Eles querem experiências dentro do jogo que vão além de futebol 11-contra-11. Eles querem mais experiências digitais, fora das quatro linhas, com esports, NFTs, transmissão de jogos reais... e querem isso rapidamente."

Ainda não está concreto, porém, se a promessa de continuar mudando o jogo e inovando será realmente verdade. E enquanto a EA Sports vem tomando ações mais arrojadas, principalmente no início da era PS3 e Xbox 360, do que a Konami, a desenvolvedora japonesa também já teve momentos inovadores.

Um retorno da Konami para competir de igual para igual com o FIFA, improvável neste momento após o lançamento fracassado do eFootball 22, seria certamente muito comemorado.

“Honestamente, eu poderia trocar de game," conta Dylan Yo, fanático pela série de games FIFA desde os primeiros lançamentos da EA. "Não acredito que seja algo errado. Se um jogo melhor aparecer, eu vou tentar jogar porque gosto de me divertir. Meus dias de competitividade acabaram. Eu só quero uma boa experiência."

Para muitos, a rivalidade entre EA e Konami, com FIFA e PES (ou eFootball, ou Winning Eleven), cria um mercado competitivo que só beneficia o consumidor.

Afinal, o duelo entre os estúdios rivais já gerou muitas inovações que repercutiram até mesmo fora da bolha dos simuladores de esportes.

“Eles são essenciais um para o outro, mesmo agora, que muitos acreditos que a rivalidade nem existe mais," opina Anthony, criador do documentário. "Eu ainda acho que essa rivalidade é importante, que ambos existam. Não quero que nenhuma das franquias acabe, mesmo que a Konami tenha sofrido muito com o lançamento desastrada do eFootball. Ainda tem tempo para eles se recuperarem e voltarem a lutar."

“Uma lição dura foi aprendida pelas pessoas que decidiram lançar o jogo naquele estado. Aquela humilhação foi necessária."

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