O Atlético de Madrid chegou às quartas de final da Champions League com a moral em alta depois de eliminar o Liverpool, atual campeão, em pleno estádio de Anfield. Tinha status de favorito para avançar à semifinal no duelo único contra o RB Leipzig, da Alemanha - seja por causa da tradição como clube ou pelo histórico recente no certame europeu, com vice-campeonatos em 2014 e 2016. Mas, assim como na campanha anterior, o Atleti voltou a decepcionar e sofreu uma eliminação surpreendente. Derrota por 2 a 1, resultado que liga um sinal amarelo justamente sobre o homem responsável pelo renascimento colchonero: Diego Simeone.
Ídolo como jogador, o argentino conseguiu ser ainda maior na área técnica do clube espanhol. Chegou na metade da temporada 2011-12 e a partir daquele momento transformou um conjunto que chamava pouco a atenção em uma das maiores potências do continente. O jogo duro, calcado na boa defesa e em saídas letais de contra-ataque, pareceu ser a única arma possível para voltar a fazer frente com os rivais Barcelona e Real Madrid. E em 2013-14 o Atleti atingiu o impensável feito de ser campeão espanhol e de chegar à decisão da Champions – onde só não foi campeão sobre o seu arquirrival porque Sergio Ramos salvou os madridistas nos acréscimos da final realizada em Lisboa.
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Outros títulos vieram, totalizando sete, transformando Simeone não apenas na figura que resgatou o protagonismo do clube alvirrubro de Madri, mas no treinador com mais taças conquistadas na história do Atleti. Em boa parte de toda esta caminhada, iniciada em janeiro de 2012, o Atleti carregou consigo a fama de azarão – injusta por sua tradição, mas correta se analisarmos disputas contra os titãs Real e Barça na Espanha.
Getty Images SportEm 2014, Simeone comemora o histórico título espanhol do Atleti (Foto: Getty Images)
E ao ter feito sucesso, ter sido campeão como azarão, Simeone foi (com justiça) valorizado ao ponto de parecer intocável: um ídolo do clube, vitorioso como jogador e treinador, identificado, que devolve o protagonismo perdido e as taças, impondo um jogo tão voraz quanto a paixão da torcida mais fanática, barulhenta e sofrida da Espanha. Mesmo nas derrotas, era praticamente impossível criticar Diego “El Cholo” Simeone.
Próximas partidas
Mas se os ótimos resultados esportivos ajudaram o Atlético de Madrid a conseguir os meios e créditos para fazerem contratações caríssimas, além de inaugurarem um dos estádios mais modernos do mundo, também começaram a mudar o tratamento dado a Simeone. A percepção sobre o seu trabalho ainda é, no geral, excelente, mas as últimas duas temporadas lhe tiraram o rótulo de intocável.
A temporada 2018-19 começou com uma prova de força, na manutenção de Griezmann em meio ao assédio do Barcelona, e com a intenção de mudar o estilo da equipe: tendo melhor material técnico, a intenção era conseguir propor mais o jogo. Pela primeira vez neste século o Atleti iniciou uma campanha entendendo que podia olhar nos olhos de Real e Barça para conquistar outra La Liga. Não conseguiu, mas o ponto baixo foi a eliminação para a Juventus de Cristiano Ronaldo, nas oitavas de final da Champions, depois de abrir 2 a 0 no jogo de ida. Na volta, os Colchoneros esqueceram da bola e viram CR7 fazer seu jogo mais emblemático até hoje vestindo a camisa do clube italiano. Ser eliminado por um gigante não é desculpa para cair da forma como o Atleti caiu em Turim.
A campanha 2019-20 começou com a saída – surpreendente e polêmica - de Griezmann para o Barcelona, mas o Atleti voltou a demonstrar força ao despejar 120 milhões de euros na joia portuguesa João Félix. Chegaram também outros bons nomes, como os brasileiros Felipe e Renan Lodi, além do inglês Kieran Trippier. Um time em transição? Sim. Mas um time repleto de talento e expectativa, que decepcionou em sua temporada espanhola, na qual precisou suar mais que o esperado para conseguir sua vaga na Champions – e deixando de aproveitar as quedas de rendimento de Real e Barça para tentar o título.
A irregularidade e dificuldade para jogar de forma propositiva ditaram mais uma temporada em que o maior destaque do time foi o goleiro Jan Oblak, sempre disposto a fazer milagres. As vitórias sobre o Liverpool, favorito no mata-mata de oitavas de final desta Champions, representaram um aceno àquele Atleti emocionante, azarão e confortável com o perigo de ver times adversários lhe atacando. O triunfo épico em Anfield passou, para muitos, até mesmo a equivocada impressão de que a temporada colchonera vinha sendo boa – quando não era.
GettyLamento após eliminação para o Leipzig, na Champions 2019-20 (Foto: Getty Images)
Sem levar em consideração a primeira temporada de Simeone como treinador do Atleti, pelo fato de o argentino ter chegado no meio do caminho, a campanha 2019-20 foi a com o menor número de vitórias (24) e gols marcados (68) desde o retorno de “El Cholo” ao clube. O objetivo de jogar de forma mais ofensiva não foi concluído, tampouco os resultados frios salvaram a percepção deste ser o pior momento de Simeone em sua espetacular e vitoriosa trajetória pelo Atleti. Especialmente porque o sucesso de seu trabalho trouxe como ônus a expectativa.
E a expectativa do Atleti era não apenas conseguir chegar à final da Champions agora em 2020, como enfim levar para casa o troféu que tão cruelmente lhe foi negado três vezes – 1974, 2014 e 2016. Não conseguiram e foram eliminados pela equipe que não tinha o favoritismo ao seu lado. O RB Leipzig já vinha mostrando força na Alemanha e tem bom time e treinador, mas era um novato no mata-mata e foi superior ao Atlético de Madrid dentro do estádio José de Alvalade, em Lisboa.
Simeone tem que ser respeitado pelo que fez, e até mesmo pelo que tenta fazer, mas deixou de ser imune às críticas. O único ponto positivo em meio à queda talvez seja a postura do argentino após a derrota. Ao reconhecer a superioridade do adversário e não se escorar em nenhuma muleta, “El Cholo” passa a impressão de que pode tentar voltar mais forte na próxima temporada. Pelo legado que já construiu no clube que ama, é o que esperamos.