Fluminense e Botafogo vs FERJ: entenda a briga que marcou o Carioca 2020

O Campeonato Carioca de 2020 já está na história como um dos mais polêmicos em todos os tempos. Além de estar inserido no contexto da pandemia da Covid-19 e, consequentemente, do alto número de contagiados e mortos no Brasil e no próprio Rio de Janeiro, o torneio estadual ainda teve como ingrediente a disputa pelos direitos de transmissão, que resultou no rompimento da TV Globo com a FERJ (a federação de futebol do estado).

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Em meio a tudo isso, a FERJ, apoiada por Flamengo, Vasco e todos os clubes exceção feita a Botafogo e Fluminense, insistiu com o retorno das atividades em um momento em que a curva de óbitos estava longe de entrar em sua decrescente. Alvinegros e tricolores, entretanto, mantiveram sua posição até o fim e, na véspera de duelarem por uma vaga na final da Taça Rio, o segundo turno do Campeonato Carioca, emitiram um comunicado conjunto em protesto à FERJ e em defesa “pelo respeito, pela vida e por um novo futebol”.

Relembre os episódios mais marcantes

Em reunião realizada em 16 de março, Botafogo e Fluminense foram os únicos a votarem, com posição mais forte desde o início, pela suspensão do estadual por causa da escalada na pandemia do novo coronavírus. A suspensão só não aconteceria se todos os clubes aceitassem seguir jogando.

A TV Globo vai transmitir Fluminense vs Botafogo, pela Taça Rio?

Meses depois, quando a FERJ e outros clubes iniciaram um movimento pela retomada do futebol, alvinegros e tricolores se mostraram contrários. Entretanto, não era necessário ter unanimidade para a federação dar prosseguimento ao reinício das partidas no Rio de Janeiro. Em uma das reuniões, o Fluminense se retirou do grupo de Whatsapp dos dirigentes por sentir-se desrespeitado.

Em meio a toda esta situação, Carlos Augusto Montenegro, membro do comitê gestor do futebol do Botafogo, concedeu inúmeras entrevistas nas quais atacava a postura do Flamengo, em pressionar pelo retorno do futebol, e também da FERJ, cujo presidente, Rubens Lopes, passou a provocar Bota e Flu, dizendo que tais instituições eram contra remarcar datas do campeonato por “não terem estudado para a prova”.

Nenhum membro de Botafogo ou Fluminense esteve presente na reunião de 24 de maio, que teve presença do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, e que pavimentou a volta dos treinos – o Flamengo já havia começado até mesmo antes. Tricolores e alvinegros mostraram-se contrários às datas de retorno dos jogos então decididas, antes de Crivella assinar um decreto de suspensão temporária que causou enorme confusão antes de, enfim, a dupla voltar a entrar em campo – ainda que sob protesto.

Durante toda esta trajetória, jogadores de Fluminense e Botafogo demonstraram, até mesmo através de manifestos, apoio às suas instituições e contrariedade em relação à postura da FERJ. O caso mais emblemático foi o de Paulo Autuori, treinador do Alvinegro, que chegou a ser punido por ter manifestado opinião contrária e ter feito duras críticas à federação.

O auge da briga, entretanto, esteve em uma aparente represália da FERJ para com Botafogo e Fluminense, na qual cobrou valores absurdamente mais altos aos cobrados a Flamengo e Vasco nos borderôs das partidas realizadas nesta retomada.

Em protesto a tudo isso, Botafogo e Fluminense, que se enfrentam na semifinal da Taça Rio neste domingo (05), soltaram um manifesto conjunto no qual apontam oito atitudes vistas por ambos como absurdas ao longo desta luta.

Confira os principais pontos do manifesto de Botafogo e Fluminense

- Botafogo e Fluminense foram obrigados a sair de seus domínios, em várias ocasiões, para jogar em estádios precários, em condições de risco e de exaustão, enquanto outros clubes, mais alinhados, mandaram todos os seus jogos em seus estádios; Apesar de dizer que os jogos do retorno seriam apenas em três estádios – Maracanã, São Januário e Nilton Santos, a Ferj fez o Botafogo jogar na Ilha do Governador e o Fluminense em Bacaxá, sem poder se concentrar, ou seja, tendo que viajar duas horas de ônibus no dia do jogo;

- Botafogo e Fluminense tiveram que lutar para não serem obrigados a jogar após apenas um ou dois dias de treinamento, colocando em risco a saúde e a integridade física de seus atletas. E tudo isso sob o argumento pueril de que treinamentos estariam liberados, quando o índice de contaminação explodia e vidas estavam sendo perdidas em filas de hospital. Quando serviços muito mais importantes estavam ainda proibidos de funcionar por razões tão óbvias que dispensariam discussões. Muito menos retaliações.

-  Em atitude que em tudo contraria o espírito democrático e a liberdade de expressão, o treinador Paulo Autuori foi punido na véspera do primeiro jogo em razão de declarações em entrevista em que brilhou pela sensatez. Em sinal de protesto, Autuori não comandou a equipe na partida, mas suas palavras estavam em campo, para nos representar. A todos os que professam a empatia, o respeito ao próximo;

- O Botafogo foi punido ainda com perda de mando porque contestou a conta absurda e astronômica para a operação do Estádio Nilton Santos, dez vezes mais cara do que a que outros clubes pagaram para jogar no... Maracanã! Uma clara atitude de retaliação por seu posicionamento a favor da vida. Somente de nossos clubes foram cobrados valores exorbitantes por despesas operacionais. A mesma cobrança exorbitante ocorreu com Fluminense, ao jogar no estádio Nilton Santos e em... Bacaxá!

- Quando tudo parecia já grotesco, os clubes se viram punidos com a perda de um contrato essencial para sua subsistência, que é o contrato de direitos de transmissão da Globo. A emissora argumentou em sua notificação que a Ferj falhou em garantir a exclusividade na transmissão de um jogo de um dos cedentes de diretos, o que gerou a ruptura do contrato de TV e que causa prejuízos a Fluminense e Botafogo no montante estimado de 120 milhões de reais, somados o que os dois clubes têm a receber nos próximos quatro anos. Sem entrar aqui em considerações sobre a responsabilidade da emissora por sua participação na condução do episódio, sem deixar de entender a forte influência de discussões paralelas com um dos clubes, o fato é que o conjunto de agremiações se viu arrastado de roldão, embrulhado em uma confusão para a qual não contribuiu. Sequer fomos consultados em Arbitral sobre os riscos desta decisão;

- Estamos chegando ao fim de uma competição em que as verdadeiras lutas se deram fora de campo e de forma totalmente inadequada. Com reuniões às escuras, intensa atividade em práticas de bastidores, indisfarçável ligação simbiótica com outros clubes, descumprimento de contratos, chuva de liminares e um comportamento incompatível com a de uma liderança em momentos de crise. A FERJ se esforçou e conseguiu desvalorizar sobremaneira o produto pelo qual deveria trabalhar visando o sucesso, que é o Campeonato Carioca.

- Não bastasse o constrangimento de sermos obrigados a retomar o Campeonato Carioca, convivendo com registros de mais de 63 mil mortes no Brasil, com média superior a 1.200 por dia, tivemos que relembrar, em vão, esse marco fúnebre em reuniões sucessivas do Conselho Arbitral da FERJ. A insensibilidade evidenciou que os números alarmantes não passam de fria estatística àqueles que parecem não entender a função social do futebol: impactar a vida das pessoas, pautar costumes e atitudes.

- Fluminense e Botafogo foram fortemente atacados pela FERJ e por outros clubes quando tiveram posição de bom senso de preservar seus atletas e funcionários ao seguir as recomendações da quarentena. Definitivamente, retornar competições com o inexplicável açodamento - com o calendário nacional ainda indefinido - não era a melhor mensagem a se transmitir por parte de tão importantes influenciadores.

Botafogo e Fluminense entendem que este é um momento em que a solidariedade deve prevalecer. Por isso, estão unidos e pedem que seus torcedores façam o mesmo. Unidos em torno da exigência de respeito. Do tratamento digno. Da preservação da honradez nas relações. Por isso estão lançando aqui as bases de uma associação entre os dois clubes para a discussão de direitos. Quem quiser participar será bem-vindo. Importante frisar: no futebol ou na vida, ninguém joga sozinho. É tempo de solidariedade.

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