A seleção brasileira estreou na Copa América 2019 com vitória por 3 a 0 sobre a Bolívia, mas o torcedor de São Paulo fez pouco barulho e até vaiou o time em alguns momentos. Capitão, o baiano Daniel Alves disse, depois do jogo, que na sua terra isso não aconteceria.
"Na Bahia o axé é diferente. As pessoas sentem falta da seleção brasileira, dessa energia que a seleção leva onde passa. Certeza que lá vai ser mais animado", afirmou o capitão ao SporTV, apostando em uma recepção mais afável à equipe treinada por Tite. Mas em 1989, quando a capital da Boa Terra recebeu a seleção na Copa América daquele ano, a história foi muito diferente.
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"A lembrança era vaia, né? Quando o time entrava em campo era vaiado, jogavam ovos nos jogadores, ovos podres. E foi, assim mais ou menos, uma coisa não agradável", relembrou para a Goal Brasil o radialista Milton Santarém, que esteve em todos os três jogos inaugurais da seleção brasileira na antiga Fonte Nova, contra Venezuela, Peru e Colômbia e classificou o clima daqueles duelos como "hostil".
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O ovo referido por Milton foi o que acertou a cabeça de Renato Gaúcho enquanto o então atacante deixava o túnel do estádio, no jogo contra o Peru - que terminou empatado sem gols. E o motivo de tanta raiva da torcida? As ausências de alguns dos destaques do Bahia, que meses antes, em fevereiro daquele mesmo 1989, haviam feito história ao bater o Internacional e ser campeão brasileiro de 1988.
Convocados, mas fora da lista final da Copa América
Dois nomes daquele Bahia campeão foram lembrados pelo técnico Sebastião Lazaroni no período de preparação: o atacante Charles disputou cinco jogos e o meia-atacante Zé Carlos, artilheiro na campanha do título [fez 9 gols], três. Bobô, herói daquela conquista, já havia sido negociado para o São Paulo, mas obviamente já tinha – e ainda tem! – um imenso carinho do povo baiano. Entretanto, nenhum deles teve lugar na convocação final. Foi como se fosse um tapa na cara para uma gente que convive com o preconceito em relação aos nordestinos: em uma época onde a maioria dos nossos talentos ainda atuavam por aqui, o melhor time do país não contava com nenhum representante na seleção brasileira.
“Quando a gente não foi convocado, foi uma tristeza não só de nós jogadores, mas do torcedor. Da Bahia esportiva, que queria um representante do melhor time do Brasil naquela fase", relembrou para a Goal Brasil o meia-atacante Zé Carlos, que também tocou no ponto de ser difícil ver um jogador de times do Norte ou Nordeste serem chamados para representar o Brasil.
"A cobrança, a raiva, a mágoa do torcedor foi não ter um representante do melhor time do Brasil”.
Zé Carlos, entretanto, não culpa o técnico Sebastião Lazaroni. Credita a sua ausência pela presença de Eurico Miranda, histórico dirigente do Vasco da Gama que, na época, havia deixado o Cruz-maltino para trabalhar na CBF.
“Em Lima, contra o Peru, fui um dos jogadores com melhor nota e dei passe para o primeiro gol. O jogo foi 1 a 1. Eu realmente fiquei empolgado por aquela chance que eu tive, no último momento, de ser convocado. Mas eu tinha uma dificuldade. Primeiro, o Eurico Miranda era diretor da seleção; segundo, eu disputava posição com Bismarck, Geovani e Vivinho, pô! Três jogadores do Vasco, e o diretor da seleção naquela época era Eurico Miranda”.
Ira foi motivada pela imprensa local?
Milton Santarém estava presente na Copa América de 1989 e voltará 30 anos depois (Foto: Goal Brasil)
Toda a insatisfação, contudo, também foi incentivada. Embora reconheça o que chamou de “teimosia” do técnico Sebastião Lazaroni em não chamar nenhum destaque daquele Bahia [“não custava nada chamar, nem que não botasse para jogar”, disse] o torcedor do Galícia lembra de uma campanha da imprensa local para colocar lenha na fogueira.
“Alguns repórteres e locutores esportivos fizeram uma pressão envolvendo o povo, para não ir à Fonte Nova, fazendo uma campanha contra. E aí o povo começou a se aborrecer, se zangar”.
Este relato foi, curiosamente, confirmado por Ricardo Gomes, capitão do Brasil naquela campanha de 1989, em contato anterior com a Goal Brasil: “A torcida baiana entrou na onda dos cronistas, imprensa local, infelizmente. Poucas ou nenhuma chance que isso volte a acontecer’, disse.
Em 2013, na Copa das Confederações, não faltou apoio na Fonte Nova (Foto: Getty Images)
Este otimismo para ver uma boa recepção da torcida baiana nesta terça-feira (18), no entanto, é uma unanimidade entre os entrevistados. Dizendo que a Bahia é o útero do Brasil, Zé Carlos aposta em uma bela festa. Uma festa que Milton Santarém não deixará de ir: “eu estarei lá, já comprei o meu ingresso”, destacou o eterno torcedor.