O debate sobre o que seria o “futebol bonito” é antigo, mas volta e meia aparece nos bares, redes sociais e grupos de WhatsApp ou em programas de TV. Recentemente tem sido um tema bastante repetido porque o Palmeiras treinado por Abel Ferreira tem levantado, repetidamente, títulos importantes e feito história. Mas ao mesmo tempo em que enche seus torcedores de alegrias, este já histórico Palmeiras também recebe críticas pelo seu estilo de jogo.
A Recopa Sul-Americana, a mais recente taça a tomar o caminho do Allianz Parque, foi a conquista menos importante se comparada com as últimas duas Libertadores e uma Copa do Brasil, mas voltou a colocar este debate em evidência em meio às críticas sobre o tipo de futebol praticado pela equipe palmeirense. Uma equipe, que vale destacar, joga de forma leal, não é daquelas marcadas pela violência excessiva ou agressões físicas diretas. Ou seja: não pratica o que muitos chamam de ‘anti-jogo’. Longe disso.
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Próxima partida
O time treinado por Abel Ferreira não é conhecido por esmagar o adversário pela maior posse de bola ou pela vocação ofensiva. Joga, na maior parte do tempo, um jogo focado na força de sua defesa e em sua grande capacidade para levar perigo através de contra-ataques. É verdade que o português vinha tentando, especialmente durante momentos de 2021, aumentar a carta de opções do menu futebolístico alviverde... mas é inegável que o “Prato do Cheff”, por assim dizer, é um futebol mais pragmático.
A pergunta é: e tem problema?
Para os milhões de não-palmeirenses em arquibancadas e mesas-redondas, sim, tem problema. É quase como se os títulos perdessem até um pouco do mérito pelo futebol “retranqueiro” ou “pouco criativo” jogado pelo atual bicampeão da Libertadores da América. Agora, encontre um torcedor alviverde revoltado com o futebol pouco romântico apresentado pelo clube nos últimos tempos e você terá em mãos um espécime raro.
Não, o torcedor palmeirense não vê nenhum problema no estilo de jogo de seu time... porque seu time faz o que todo torcedor, especialmente o torcedor brasileiro, quer: acaba conquistando títulos e, com isso, criando memórias inesquecíveis e quase táteis, uma vez que a taça estará sempre ali para ser vista pelas mais diferentes gerações.
Ao palmeirense, pouco lhe importa se a média de posse de bola com Abel Ferreira é de 50% no geral – como pouco importou a posse de bola maior do que o Athletico Paranaense, em um primeiro tempo sem finalizações alviverdes, se na segunda etapa a posse foi menor que a do adversário e o time acertou cinco finalizações a gol e venceu por 2 a 0. Para ele, importam as duas Libertadores, Copa do Brasil e agora a Recopa Sul-Americana.
Isso não é exclusividade do palmeirense, mas da grande maioria do torcedor de futebol no Brasil. Acontece em outros países, claro, mas aqui é evidente que só importa aquilo que vence – quem viveu o fenômeno do tênis na época de Gustavo Kuerten, do auge ao ocaso ao longo da carreira do nosso ídolo nacional, pode entender bem.
Se perdeu, pouco importa – esta é a sensação geral.
“Ah, mas a seleção brasileira de 1982 não venceu e é imortal”, podem lembrar alguns. Mas seria a seleção um parâmetro válido nesta discussão, uma vez que quando o Brasil entra em campo torcedores rivais se unem em um só sentimento e viram uma só torcida, uma só sensação?
Em 1982 todos os brasileiros sofreram juntos, e aí é bem mais fácil de se valorizar algo que não a vitória. Troque a camisa canarinho pela de um clube brasileiro nesta equação, e o tom vai mudar da água para o vinho: se jogou bonito mas não ganhou, será pouco lembrado pela crítica especializada e motivo de piada para os demais torcedores.
Em meio às opiniões sobre Abel Ferreira, a lembrança recente de Jorge Jesus, também português, no Flamengo, torna-se impossível de não se fazer. Afinal de contas, além de compatriotas eles são os técnicos que tiveram maior sucesso no Brasil desde 2019. As comparações de quem foi melhor, entretanto, flertam com a cena imaginária de crianças discutindo quem tem a melhor mãe do mundo. Ambos chegaram, jogaram e ganharam. É o que basta para satisfazer qualquer torcedor.
O erro claro aí é quando a capacidade de Abel Ferreira é reduzida. O técnico do Palmeiras faz quase à perfeição o papel que cabe à sua função: domina o elenco e administra bem as personalidades do vestiário, mantém o time altamente competitivo mesmo sem ter as peças que ele deseja e traça estratégias que fazem a diferença em jogos – como a que resultou no primeiro gol sobre o Flamengo na final da Libertadores de 2021.
“A principal ideia é que a gente acredita muito no treinador, não duvida nunca do plano e da ideia dele. Gosto de falar da final contra o Flamengo. Ele estudou e nos colocou dentro da sala e falou que tinha uma ideia do jogo e perguntou se a gente topava ou não. Não é fazer o que eu quero e é bom para mim. O que é bom para o ponta é jogar para frente, às vezes não é legal acompanhar, mas tem de fazer. Não é fazer só o que é confortável, é fazer o que é bom para equipe. Isso que o Abel pede”, disse o goleiro Weverton, do Palmeiras, em participação ao programa Seleção SporTV.
Mas o que é futebol bonito?
Se existem pessoas que se emocionaram e ainda se emocionam ao ver um Rocky Balboa lutando e sofrendo (mais sofrendo do que qualquer coisa) em lutas fictícias de boxe, não é absurdo entender que alguém possa achar um determinado contra-ataque ser mais bonito que um determinado drible. Um futebol mais reativo pode, por que não, agradar mais a algumas pessoas do que um jogo marcado por passes.
O importante no futebol é fazer um bom trabalho com o que se tem em mãos, desde que seguindo as regras. O torcedor de futebol pode até ficar em dúvida na hora de responder o que é, para ele, um jogo bonito: a resposta vai depender da beleza de sua memória no momento de um gol, que pode ser construído de inúmeras maneiras. Pois se vencer não é certeza no futebol, o futebol bonito é aquele que dá felicidade àquele que o sente.
E no futebol de clubes brasileiros, ser campeão é a felicidade final.