O jogador é revelado pelo Grêmio, consegue destaque atuando pelas pontas e encanta o país com um futebol cheio de ousadia. Chamado para a seleção brasileira, não sente o peso da camisa e termina a Copa América valorizado, amado pelo povo, campeão e atraindo olhares do futebol europeu.
A narrativa até aí é igual tanto para Everton Cebolinha, xodó do Brasil no título da Copa América em 2019, quanto foi para Ronaldinho Gaúcho, que duas décadas antes foi campeão continental pela seleção em circunstâncias parecidas. A grande diferença, entretanto, está na maneira como eles levaram a despedida em relação ao clube gaúcho.
Quer ver jogos ao vivo ou quando quiser? Teste o DAZN com um mês grátis!
A primeira delas marcou toda a dificuldade de assimilar a Lei Pelé em sua origem, aliada a um péssimo momento de administração institucional. A segunda demonstra o amadurecimento de um dos clubes que, hoje, é um dos mais bem administrados e sabe valorizar, como poucos fazem, seus jovens destaques.
O “Caso Ronaldinho”
Ronaldinho Gaúcho teve ascensão meteórica desde a final do estadual de 1999, quando deu um chapéu em um já veterano – mas ainda assim respeitado – Dunga. Poucos teriam a ousadia para arriscarem um lance tão forte contra o capitão do Tetra. Campeão com o Grêmio, o jovem foi chamado por Vanderlei Luxemburgo para a Copa América daquele mesmo ano e em sua primeira jogada pela seleção eternizou seu nome: entrou no decorrer de uma goleada por 4 a 0 sobre a Venezuela, que terminaria em 7 a 0. Mas a memória coletiva daquela noite foi o chapéu (mais um!) dado pelo camisa 21 antes da finalização no fundo das redes. Golaço!
Naquele mesmo 1999, o Grêmio decidiu renovar o contrato de sua joia por mais dois anos. O vínculo terminaria ao mesmo tempo em que a Lei Pelé passaria a valer, em 2001, acabando com a relação antiga que prendia o passe do atleta à instituição. Quando perceberam a coincidência, os dirigentes do Tricolor passaram a argumentar que o acordo havia sido assinado na vigência da lei anterior. Ronaldinho ainda carregou um time nada inspirado até a semifinal do Brasileirão em 2000, mas fora dos campos – sempre orientado pelo irmão mais velho – acreditou que seria melhor negociar diretamente com algum clube europeu que tivesse interesse. Quem tiraria vantagem seria o PSG.
Getty Ronaldinho deixou o Grêmio como "traidor" em 2001 (Foto: Getty Images)
Ainda em 2000, Ronaldinho assinou um pré-contrato com os parisienses e deixaria o antigo Olímpico praticamente de graça. O Grêmio, entretanto, entrou na Justiça do Trabalho exigindo indenização de R$ 84 milhões. O valor foi baseado em uma oferta que os gaúchos disseram ter recebido do Leeds United. As disputas jurídicas passaram a dominar as manchetes e o meia-atacante passou sete meses longe dos gramados. Seria apenas em agosto de 2001 que voltaria a jogar oficialmente, já taxado como traidor da causa gremista por dirigentes e torcedores. Com interferência da FIFA, o caso foi resolvido somente no início de 2002, quando ficou acertado que o PSG pagaria 4,5 milhões de dólares aos brasileiros.
O valor foi muito menor em relação ao que o Tricolor queria, mas ainda ajudou o Grêmio a sobreviver perante um sufoco financeiro e quitar meses de salários atrasados de outros atletas. Um cenário que exemplifica o quanto os clubes já eram uma bagunça administrativa, que em meio a uma revolução jurídica do esporte só ficou ainda pior naquele momento.
Cebolinha: adeus iminente nos braços da torcida
Lucas Uebel/Grêmio/Divulgação Cebolinha bate no escudo após gol sobre o Bahia, na Copa do Brasil (Foto: Lucas Uebel/Grêmio)
Everton Cebolinha já havia sido campeão de Copa do Brasil e Libertadores pelo Grêmio quando recebeu oportunidade na seleção brasileira. Mas por ser jovem, ponta e por não ter sentido nem um pouco a responsabilidade de substituir Neymar, cortado por lesão, virou xodó dos torcedores na Copa América de 2019. O fato de ser o único jogador de linha atuando no Brasil também ajudou, mas o principal foi o futebol agudo, buscando sempre o gol.
Terminou a campanha continental como artilheiro [com três gols] e melhor em campo na final vencida sobre o Peru. Décadas após a Lei Pelé ter entrado em vigência, a sua transferência para um clube europeu já é tida como certa. Mas desta vez o Tricolor Gaúcho se armou dentro do possível: apesar de ter apenas 50% dos direitos econômicos do ponta, no ano passado renovou seu contrato até 2022. A multa rescisória está na casa de 80 milhões de euros, mas o Grêmio aceitaria ofertas a partir de 40 milhões [a sua parte no acordo], o que já tornaria Cebolinha a venda mais cara de toda a história gremista.
Gestão atual é exemplo
Getty Images Arthur deixou o Grêmio como ídolo... e por uma bela grana! (Foto: Getty Images)
Hoje, a maior venda do clube foi Arthur. O meio-campista, também campeão da Copa América neste ano, deixou Porto Alegre por 31 milhões de euros para vestir a camisa do Barcelona. Uma negociação que também explica o quanto a administração encabeçada por Romildo Bolzan, que entrou no clube em 2015, tornou o Grêmio um exemplo de sustentabilidade econômica: e as vendas, cada vez mais planejada o possível, fazem parte disso.
Se quando Ronaldinho deixou o Grêmio, em 2001, o sentimento era de raiva, a situação com Everton Cebolinha é oposta. Enquanto ainda espera uma proposta, o jogador se coloca à disposição para seguir defendendo as cores de sua equipe e o clima é de uma despedida cheia de amor: na última quarta-feira (10) a maioria dos torcedores que foram à Arena no empate por 1 a 1 com o Bahia, pelas quartas de final da Copa do Brasil, chegaram lá na expectativa de verem o último jogo do ídolo no Brasil. Ainda não parece ser o caso, mas de qualquer forma os últimos momentos de Cebolinha em nosso futebol também demonstram como o seu clube aprendeu a lidar com a realidade.